kitschnet - mini-pratos ao balcão: 09.13


23.9.13




No início dos anos noventa, no largo da estação de Carcavelos, à esquerda da mercearia onde o meu pai tentou roubar bananas, à esquerda ainda da papelaria cheia de tesouros, em frente da qual havia uma passadeira que atravessei aos pulos hasteando a minha toalha de praia com um arco-íris, para grande susto do meu pai, que achou que eu ia ficar debaixo de um carro, quase na esquina do largo, havia uma marisqueira. Nos dias bons, quando o meu pai tinha dinheiro, íamos lá comer um creme de marisco. Lembro-me da algazarra dentro dessa cervejaria, escura apesar de lá fora ser dia, ainda mais escura devido aos clientes, todos africanos, que empilhavam nos pratos cascas de camarão e carapaças de lagosta, sapateira e santola, riam e lambiam os dedos. Os poucos negros que conhecia eram pobres e falavam português. Estes gastavam fortunas em marisco e cavaqueavam altíssimo numa língua estranha. Os empregados, de camisa branca translúcida e lacinho, serviam-nos, grandes, opacos, de ombros ainda mais largos por causa dos blusões de cabedal preto, às mesas e sobretudo ao balcão, cerveja atrás de cerveja.
Sem que eu perguntasse nada, o meu pai explicou-me que eram trabalhadores da construção civil, que mourejavam de sol a sol, longe das suas famílias, e que ganhavam muito mais por mês do que qualquer funcionário médio, que aproveitavam para amealhar alguma coisa enquanto eram fortes, e que se reuniam ali aos sábados, com outros como eles, para se manterem vivos. 
A sua animação, que de tão exuberante eu pressentia já triste, pareceu-me então a coisa mais solitária do mundo.

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9.9.13

Stracciatella
Não param de me aparecer novos sinais. É o chocolate a vir ao de cima.

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